segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

A vida num sopro

“Começou a acompanhá-la todas as manhãs no caminho para a escola. Chegava sem falta pelas sete e vinte, era ainda lusco-fusco, e aguardava pacientemente o vulto adorável que lhe entrara de rompante na vida. Cumprimentavam-se com um sorriso feliz e caminhavam alegremente pelas ruas sóbrias e geladas de Bragança àquela hora matinal, ditosos e despreocupados, a conversa a remoinhar ao sabor apetitoso das palavras; contavam episódios da vida, comentavam assuntos da escola, observavam as coisas da cidade, deleitavam-se com sonhos do futuro.
“Um dia”, disse-lhe ele num dos primeiros passeios, “hei-de levar-te de cavalo.”
“O quê? Tens um cavalo?”
“Não, mas hei-de ter.”
Amélia riu-se.
“Como os príncipes?”
“Isso.”
“E como vai ser o teu cavalo?”
“Veloz como a luz.” Mirou-a, divertido. “Que nome achas que lhe dê?”
“Será rápido, dizes tu?”
“Um campeão.”
Ela fitou o infinito, os olhos sonhadores.
“Chamar-se-á Relâmpago.”
Passou a viver para aquele passeio madrugador, de tal modo que o alvorecer se tornara o apogeu do dia. Vagueava nas aulas a relembrar o passeio dessa manhã e, quando se despediam no átrio do liceu e a mãe a vinha buscar, soltava-se-lhe a saudade, vagabunda no seu coração.”

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